quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Estética da ginga




A arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica

            O ponto de partida para a obra de Paola Berenstein Jacques coincide com o início de seu curso de arquitetura e urbanismo na UFRJ, localizada na Ilha de Fundão. Para chegar ao seu prédio, Paola passava diariamente por parte da Favela da Maré. Seu percurso e seu ponto de chegava eram completamente contraditórios. Enquanto um era espontaneamente original, o outro, moderno, era racionalmente rígido.
Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. (Fonte imagem: http://crimesnews.wordpress.com)
            Outro encontro aconteceu bem longe do palco deste primeiro. Foi em Paris, numa exposição retrospectiva itinerante da obra do artista Hélio Oiticica que Paola se sentiu acolhida. “A identificação com o espaço proposto por Hélio Oiticica foi imediato.”
            É desse confronto cotidiano e dessa outra experiência que surge o livro. “Este livro nasceu, portanto, da indignação provocada por dois encontros: o primeiro, com as favelas do Rio e o segundo, com a obra de Hélio Oiticica.”
            Oiticica representava o Rio, sua experiência na cidade e, sobretudo, sua experiência nas favelas do Rio. “Resumindo: foi em Paris, e por meio da obra de Hélio Oiticica, que eu compreendi, de um lado, que a cultura carioca está inextricavelmente ligada às favelas, e, de outro, que existe uma estética própria às favelas, o que constitui uma alteridade urbana e merecia ser estudado mais de perto.”
            Seguindo, a autora ressalta a contradição em escrever sobre arquitetura e sobre as favelas, que, constituída por não-arquitetos, são arquitetura. Vale dizer também que a estética das favelas, a estética própria das favelas, que será o guia. A estética como disciplina sempre foi um caminho paralelo e alternativo ao racionalismo.
            Paola alerta ainda a diferença entre a arquitetura dos arquitetos, com intenção estética explícita, e a arquitetura vernácula, construída pelos favelados. Estes têm um único objetivo: o abrigo. Aqui as favelas são consideradas reservas de arte, um potencial artístico visível apenas por intermédio de um artista. E é esta a ligação com a obra de Oiticica, que representou esteticamente sua experiência na favela.
            A nova questão das favelas também é avaliada. Antes, a discussão era ao redor da remoção ou recolocação dos moradores para distantes áreas das cidades. Agora o direito à urbanização é reconhecido e se discute a boa integração entre a favela e o restante da cidade. Ou seriam estes já parte um do outro? Será mesmo necessário que o primeiro se molda às vestes do segundo para então serem considerados integrados?
            Numa tentativa de dissecar essa estética das favelas, Paola desenvolve três figuras conceituais: o fragmento, o labirinto e o rizoma. E faz a constatação de que “os barracos das favelas são compostos de fragmentos; a aglomeração de barracos forma labirintos; estes, por sua vez, se desenvolvem pela cidade como rizomas.” Em cada figura repete-se o procedimento: percepções da realidade, interpretações artísticas das obras de Oiticica na Mangueira e compreensão sistemática pautada em noções teóricas e abstratas.
            No exemplo do fragmento vê-se como a própria construção dos abrigos é feita dessa forma, por partes. E é um processo contínuo, onde os fragmentos achados e montados são sempre substituídos por outros, também achados nos resíduos da, dita, cidade formal. Espontaneamente e sem projeto, portanto sem objeto final, os moradores vão construindo suas casas, formalmente fragmentadas e se aproximando da idéia de bricolagem, trabalho com as mãos e utilizando meios desviantes em relação aos empregados pelo homem de artes. Isso, claro, sem perder de vista o simples motivo de abrigar.
            Oiticica também discute essa questão do abrigo na obra Parangolés, desenvolvida durante sua (auto) descoberta na comunidade da Mangueira, experiência esta rica e lembrança de dias muito felizes. “Os Parangolés são capas, tendas e estandartes, mas, sobretudo capas, que vão incorporar literalmente as três influências da favela que Oiticica acabava de descobrir: a influência do samba (...), a influência da idéia de coletividade anônima (...) e a influência da arquitetura das favelas, que pode ser resumida na própria idéia de abrigar, uma vez que os Parangolés abrigam efetivamente (...)”
             A autora segue fazendo essas ligações e essas análises, descobrindo e explicando os valores das favelas, dessa arquitetura dos não-arquitetos, dessa vida já intrínseca à cidade, mas que é preciso ter ginga para poder reconhecer.
Nildo da Mangueira, com Parangolé, 1964. (Fonte imagem: http://www.digestivocultural.com)
(Por Tatiana Alpohim Guerra)

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